quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Espero

Uma menina de família não anda por aí com as outras. Dá-se ao respeito! Uma menina de bem não vai abanar-se para os bailaricos! Assim, a menina não arranja marido!


Tantas vezes, que a sra. minha mãe me transmitiu estes ensinamentos, que mesmo hoje com quase 7 décadas vividas ainda as tenho na minha cabeça.


E se eu gostava de dar um pezinho de dança… mas sempre no meio das giestas , sem ninguém a ver ou a acompanhar. Que a sra. minha mãe diz que moça decente não se encosta a um homem que não seja seu esposo e mesmo assim é ele e sempre ele que a procura e nunca, em tempo algum, ao contrário!


Desde que me lembro de ser gente que sei cozinhar, bordar lençóis e toalhas e fazer uma limpeza daquelas que se pode comer no chão. Era assim, era a nossa obrigação. Como dizia a sra. minha mãe, uma mulher que não sabe cuidar de uma casa, não sabe cuidar de uma família. Dizia-me muitas vezes: “Minha filha tens de estar pronta para quando aparecer o homem que contigo vai querer casar”.


Às vezes por entre as cortinas, espreitava o convívio entre os moços e moças da minha terra e tinha tanta vontade de também me poder rir como eles. Mas só de pensar em algum dia, encher-me de coragem e pedir autorização para ir, as pernas falhavam-me e o coração parava. Ainda me lembro como se fosse à cinco minutos atrás, do momento em que a sra. minha avó me apanhou a olhar lá para fora! Agarrou-me de tal forma o braço que o ar deixou de me encher o peito.


“Menina, se a tua mãe te vê aqui!!! O que é que te interessa a pouca vergonha da rua??? Queres que toda a gente fale de ti? Como é que depois vais casar?”


Naquele tempo, não perguntávamos porquê. Os mais velhos mandavam e os catraios obedeciam. Mas na verdade, naquele dia, tive vontade de perguntar porquê… 


Não estava a fazer nada de mal. Bom… verdade verdadeira, eu estava a olhar para o Manel… Era tão bonito, o Manel.


Ai, se a senhora minha mãe, soubesse que na minha cabeça vivia o Manel…


Pudesse eu escolher e era para ele que eu iria cozinhar, bordar e limpar.


“Minha filha, não podes casar com um qualquer, tem de ser um homem de família, de porte, de dinheiro. Temos de esperar que ele vai aparecer.”


E eu esperei. Sempre a olhar para o Manel pela portada. 


E eu esperei. E o Manel casou com outra.

 
E eu esperei. “Minha filha não casa com estes badamecos. Tem de ser homem em condições!”

E eu esperei.  E cozinhei, bordei , limpei e cuidei da sra. minha mãe, que tanto de mim precisou e a quem fui sempre dedicada. Não só porque é meu dever de filha mas, principalmente porque sempre foi uma mãe exemplar.


E eu esperei.

 
E eu espero. Que a sra. minha mãe nunca se enganou.

 

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